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Saiu, a 21 de fevereiro de 2020, a notícia da expulsão de um aluno com 18 anos de uma das nossas escolas da Região por agressão a um docente. Um aluno reincidente, com várias tentativas infrutíferas de integração na comunidade educativa. Após 10 dias de suspensão e queixa policial, o aluno é expulso. Este é apenas mais um numa larga centena de casos de agressão a professores reportados por todo o país.

Ainda durante este mês, foi agredido a soco e pontapé por um utente, num centro de saúde do nosso país, um médico por opor-se a renovar uma baixa médica, atendendo à existência de informações incoerentes na ficha do doente, aliás, detetadas anteriormente por um outro colega que também não terá renovado a baixa. Um caso, entre dezenas de casos que acontecem a profissionais do nosso sistema de saúde.

No passado domingo, um agente da PSP foi agredido também a soco e pontapé, além de um copo partido, por um individuo de 26 anos com histórico de agressões. Em janeiro, o motorista de um autocarro foi espancado quase até à morte e ainda há dias, tivemos uma situação de espancamento gratuito à porta de um espaço noturno, em plena estrada e envolvendo vários indivíduos, aqui na nossa região.

Estes são apenas alguns casos repescados da comunicação social nos últimos tempos, e muitos mais haveria para destacar, tivesse eu tempo e fosse esse o objetivo deste texto. Há, no entanto, um denominador comum em todos estes casos… a violência gratuita e a forma leviana com que se distribuem socos e pontapés. Aqui não há uma faixa etária “comum” para vítima ou agressores. Não há uma classe social ou económica que se destaque nestas notícias. Não há justificação que leve a tal reação a não ser uma total incapacidade de lidar com a frustração, seja ela causada pelo que for.

Vivemos uma sociedade cada vez mais exigente e onde a competitividade deixou de ser algo saudável para se transformar numa corrida desenfreada ao sucesso e ao poder sem olhar a meios. Crianças são instigadas pelos pais a ser os melhores alunos, os melhores atletas, os melhores filhos. Os profissionais são obrigados a ser os mais produtivos, os mais eficazes, os melhores empregados.

Vivemos numa sociedade onde as coisas acontecem no imediato, no agora e onde o tempo e a paciência são virtudes que não são cultivadas e nutridas.

O individualismo e o egocentrismo parecem ser também algo em comum em todos estes casos. O “eu”, o “meu”, o “eu quero” e a prontidão com que se quer, o “agora”, o “para ontem” são ainda combustível para esta dificuldade em lidar com a frustração e com o facto de que efetivamente o mundo não gira à volta dos nossos umbigos, e que as nossas prioridades e os nossos tempos podem não corresponder aos tempos dos outros, às vontades dos outros, às normas impostas e às regras para viver em sociedade. Vivemos numa sociedade onde as relações interpessoais são cada vez mais comprometidas e mais narcisistas.

E não se deixem iludir com a ideia de que estas agressões que têm vindo à baila nos últimos tempos se cingem apenas à violência física. A violência verbal e a intimidação, infelizmente e com maior frequência, que verificamos em vários contextos sociais, são comportamentos de hostilidade que por serem mais subtis, ou por estarem camuflados, passam mais vezes despercebidos e são menos vezes tratados.

Que papel temos nós neste panorama? Nós pais, professores, colegas de trabalho, chefes, subordinados… O que fazer quando nos deparamos com uma situação destas? A quem recorrer?

Como professora, como mãe e como membro da sociedade, creio que a resposta passa por abraçar a educação emocional como parte fundamental do currículo, como meio de evitar que se tenha de agir de forma paliativa ou remediativa. Tão importante como português e matemática, será importante se aposte na inteligência emocional e se trabalhe a capacidade de cada um de nós reconhecer e identificar as suas próprias emoções e as dos outros. Já dizia Aristóteles que “Qualquer um pode ficar furioso, isso é fácil. Mas ficar furioso com a pessoa correcta, na intensidade correta, no momento correto, pelo motivo correto e da forma correta, isso não é fácil.”

É exatamente aqui onde devemos apostar. As nossas escolas, o órgão da tutela, quer a nível nacional quer a nível regional, precisam de perceber que cada vez mais, e atendendo à metamorfose que a nossa sociedade e o nosso mundo estão a sofrer, é necessário que se aposte não apenas no mérito académico, mas também nas habilidades socioemocionais das nossas crianças e futuros adultos, como parte fundamental da formação do ser humano, o que nos permite lidar com as nossas próprias emoções, relacionarmo-nos com os outros, gerir os nossos objetivos de vida… Caminhamos para uma sociedade onde até a nível profissional e de mercado de trabalho se valorizam grandemente habilidades que vão além da capacidade de dominar conhecimentos e técnicas de específicas áreas de formação. Valorizamos atualmente a capacidade de saber identificar, gerir e resolver problemas relacionados aos seus afazeres e onde o trabalho em equipa assume uma importância cada vez mais flagrante.

Neste sentido, e numa tentativa de mudar as manchetes da comunicação social, de disponibilizar contextos onde as relações interpessoais e sociais são relações de qualidade, e onde haja espaço para “o outro” e para o “eu”, urge uma mudança também no paradigma não só da educação dita formal, mas também na educação familiar, aquela onde alicerçamos toda a nossa construção como pessoa.

Não será em vão que a OCDE tenha delimitado agora em 2019 nas suas linhas estratégicas relativas à educação e à inclusão, a Educação Emocional como disciplina por considerar que os adultos do futuro precisam de desenvolver as características intimamente relacionadas com a inteligência emocional, tais como a curiosidade, a imaginação, a resiliência, a tolerância e o autocontrolo.

Então e nós, e as nossas escolas, para quando? Não basta falar de cidadania. Não basta falar de formação pessoal e social. É urgente falar de emoções. Do papel que assumem na nossa vida e de como tudo o que contruímos como pessoas e como profissionais, assenta numa base emocional que se não for sólida e estável fará de nós um castelo de cartas em frente a uma janela aberta.

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