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Já tentaram subir uma ladeira com sapatos de sola seca, daqueles em couro, que na Madeira chamamos de sapatos da missa? O Poder Local é muito assim. Um percurso íngreme de difícil acesso e que, quem não está preparado, mais dia, menos dia, derrapa e vai parar lá ao fundo. As populações que moram lá em cima, no topo dos Lombos, essas, sabem escalar os caminhos sem vacilar. Nós, os autarcas que ocupam lugares no Poder Local, se queremos estar ao lado dos que nos elegeram, precisamos de subir a ladeira e ir até onde estão as pessoas. Não é possível um eleito estar num cargo público sem conhecer as pessoas, sem as sentir, sem ser uma delas. Não podem reduzir a sua área de ação a uma cadeira, onde, sentados de fato cinzento e sapatos da missa, defendem argumentos. Se é verdade que é necessário meter um punhado de papéis debaixo do braço, analisar decretos, cruzar números e devorar relatórios, também não pode ser descurado o mundo lá fora, pois, um autarca, se não sente aquilo que defende, como se de um cidadão se tratasse, está a fazer isso como quem poderia fazer outra coisa qualquer e isso não faz dele um verdadeiro representante de uma população. Não passa de uma peça de xadrez num tabuleiro habilidoso.

Um político de sapato da missa não consegue trocar o léxico tecnocrata por simples palavras acessíveis a todos, sente dificuldade em exprimir-se e retrai-se na hora da aproximação necessária. Não sabe andar no meio da lama sem sujar os sapatos da missa. Estar com a população não é o que muitos chamam de “sermos eles”, isso é imitar e invadir o espaço em busca de votos. É antes “sermos nós”, verdadeiros, interessados e preocupados com as pessoas que nos rodeiam.

Não há melhor escola para um individuo que queira verdadeiramente prestar o melhor apoio possível às populações do que esse contacto direto que floresce no terreno fértil do Poder Local e que permite um acesso livre, sem filtros, aos que nos elegeram. É uma relação que acontece no dia-a-dia, em qualquer lugar e sem hora marcada. Como tal, é necessário estar preparado com naturalidade, quer seja numa repleta paragem de autocarro no centro da cidade, junto a uma levada em que a água teima em fugir e para o caminho, num beco em terra nas zonas altas à espera do dia em que chegará o desenvolvimento ou no interior de um prédio de habitação degradado e sujo a necessitar de obras urgentes. É aí, olhos nos olhos, onde são feitas confidências entre o cidadão e aqueles em quem eles confiaram para os representar. As pessoas sabem qual é a importância do poder local para as populações e para o destino das mesmas, para a resolução de problemas que surgem diariamente ao virar da esquina e não escolhem hora certa. Como autarca, rapidamente aprendi a importância de trocar os sapatos da missa por algo mais confortável. Só assim conseguimos acompanhar o ritmo de quem nos elegeu e não acabamos no fundo da ladeira.

Ricardo Silva Pestana
Assistente Técnico SESARAM / Vogal no Executivo da Junta de Freguesia de São Martinho

 

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