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São 5 da tarde em Viseu e, dentro de instantes, terá inicio a sessão de abertura do XIV Congresso da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), presidida pelo Presidente da República. Os congressistas mais atrasados procuram chegar antes do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa. Surgem de todo o lado. Muitos já trilham estas andanças autárquicas há muitos anos. Representam freguesias que muitas vezes agem de forma solitária e esquecida, tendo que recorrer à astúcia para sobreviver. Autênticos lobos que, quando se juntam em congresso, parece que encontraram a sua alcateia. Trocam-se longos abraços entre companheiros que sentem que só unidos podem levar mais longe as reivindicações do poder local. Pouco antes, no centro da cidade de Viseu, reparei numa estátua de Aquilino Ribeiro e lembrei-me de um dos seus mais famosos livros “Quando os Lobos Uivam”. É o que acontece no Congresso da ANAFRE!

Ao longo do fim de semana, tanto nos discursos como nas conversas mantidas informalmente entre autarcas, há um dado que me chama à atenção. Há exigências que se repetem em todos os congressos e que persistem em se manterem na agenda do dia. Não são escutadas nem concretizadas por quem detém o poder de o realizar, revelando, muitas vezes, uma falta de consideração pelos representantes mais genuínos do povo português. Um dos congressistas fez questão de lembrar que, durante as catástrofes dos incêndios, quando tudo falhou, inclusive o estado português, foram as Juntas de Freguesia que ficaram no terreno a ajudar os seus fregueses. Senti orgulho nessa gente e, olhando para a enorme frase que enchia o palco do congresso “somos Portugal inteiro”, senti também vergonha.

O fantasma dos incêndios do último verão assombrou muitos dos discursos. O Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, no seu discurso de encerramento do congresso, veio pedir a todos que intervenham e, mais do que isso, que sejam os primeiros a exigir que tudo esteja limpo antes do verão. Concordo plenamente, mas também estou completamente de acordo com o Presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques, que, no mesmo palco, lembrou “Como é que é possível que em três meses, possamos fazer o que o Estado não fez ao longo dos últimos quarenta anos?”. Eduardo Cabrita afirmou ainda que “as Juntas de Freguesia são o primeiro parceiro na limpeza”. Só é pena não estarmos todos no mesmo nível de parceria quando falamos de ser o Poder Local a decidir o seu futuro, a criar bases para realizar os anseios dos autarcas, nomeadamente em matéria de descentralização, de aumento de competências, da revisão das finanças locais, da organização territorial e do estatuto dos autarcas. Não é necessário perder muito tempo a olhar para o país real para descortinar muitas das assimetrias existentes. Logo a abrir o congresso, registo um caso que serve de exemplo. Ferreiros de Tendais, uma freguesia localizada no concelho de Cinfães, no distrito de Viseu, recebe do Fundo de Financiamento de Freguesias 28.300 euros por ano!!! Fiquei curioso de ver o orçamento que Constantino da Conceição Ribeiro, o presidente da referida Junta, engendrou para 2018, tendo em conta que tem a seu cargo 17 povoações.

No discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, há uma frase que registo pela sua dimensão. Na cerimónia de abertura, o Presidente da República afirmou que “o futuro da nossa democracia passa pelo poder local com uma importância maior que em qualquer outro tipo de poder”. Naquele momento, senti uma vontade colossal em chegar perto e abraça-lo como quem abraça um país inteiro, como vimos Marcelo fazer mais do que uma vez. Mas agora, o que o Poder Local necessita é de afetos legislativos, pois precisa de ser abraçado pelas respostas aos seus anseios. Procurei sentir nesse instante o que ia na alma dos homens e mulheres que, à frente de Juntas de Freguesia deste país, viveram o pior ano das suas vidas e pensei que muitos dos que aqui estão gostariam também de ter dado abraços solidários durante os incêndios, mas tinham as mãos ocupadas com baldes e mangueiras, a acudir aos seus fregueses.

Até podia ter dado um abraço a Marcelo, mas aproveitaria também para lhe sussurrar ao ouvido que já é tempo de intervir, começando, por exemplo, pela recuperação do controlo dos CTT. Há juntas de freguesia que estão a embarcar nesta aventura, sem terem a noção que tal atitude moral pode vir a custar caro aos seus parcos orçamentos!

Por fim, numa das paredes do recinto, lá estava a lista com os nomes que integram os órgãos sociais da ANAFRE. Pena lá não estar um autarca representante do JPP! Fica para a próxima. Para mais tarde recordar, fica aquele breve instante em que o presidente da União de Freguesias de Covilhã e Canhoso, Carlos Martins, discursando de forma calorosa perante centenas de congressistas, refere São Martinho e o seu Presidente como referências do Poder Local em todo o País. Por ser a Junta onde integro o executivo, senti ali um abraço maior do que todos os abraços de Marcelo.

Ricardo Silva Pestana
Assistente Técnico SESARAM / Vogal no Executivo da Junta de Freguesia de São Martinho

 

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