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Há momentos no exercício de uma função pública que nos marcam. Há os momentos de concretização, de decisão, de felicidade, e há aqueles em que a nossa humanidade se sobrepõe ao resto. Nessas alturas, o que nos marca é esta condição de sermos pessoas, de sentirmos a dor do outro, de nos sabermos próximos.

Dor, angústia e agradecimento são, por isso, os sentimentos que me ficaram da tragédia que ceifou 29 vidas no Caniço.

Acompanhei de perto as operações e devo dizer que dificilmente consegui, em vários momentos, conter as lágrimas. A dor de ver vidas humanas se perderem, a dor de pensar nos familiares e amigos, a dor dos sobreviventes feridos e longe da sua terra. A dor de ver o que seriam momentos de alegria em férias se transformarem no mais indizível e incompreensível destino.

A dor do motorista, o senhor José Manuel, e da guia, a Jovem Carlota, nossos conterrâneos, que sofrem pelas feridas, mas que estão também desolados por um sofrimento muito mais profundo. Fui isto que testemunhei de perto nas vezes em que os visitei no hospital.

Sim, faço parto deste povo que gosta de receber, que partilha esta empatia pelo outro e que é a nossa profunda hospitalidade e abertura ao mundo. É esta uma das mais valias que é sempre destacada por quem nos visita: o acolhimento sincero com que são recebidos.

Somos este povo aberto, que acolhe, que sente a alegria do outro e que sabe também partilhar e sentir de perto a dor alheia, que depressa se torna nossa. Estes sentimentos genuínos não se alteram com a tragédia que nos tocou a todos como coisa nossa.

Foi esta profunda humanidade que testemunhei em todas as equipas que fizeram o socorro naquela quarta-feira, dia 17 de abril. Homens e mulheres que deram tudo por tudo, que não hesitaram perante o horror, que não fraquejaram nunca, que apenas queriam salvar, e que sentiram profundamente cada morte que se confirmava.

Foi dor o que sentimos, mas foram também momentos de profunda humanidade, de genuína entrega e de um profissionalismo a toda a prova.

Passado o luto, há que estar à altura do futuro, acompanhar os que ficaram, chorar os mortos, apoiar os que perderam os seus.

É ainda com uma dor profunda que me dirijo primeiro aos que sobreviveram, manifestando a minha solidariedade e o profundo desejo de uma rápida recuperação. Dirijo-me também aos que perderam os seus, incluindo neste abraço o povo irmão da Alemanha, e garantindo que a Madeira e Santa Cruz em particular, onde vive uma importante comunidade alemã, continuam à vossa espera com a amizade de sempre.

Uma palavra também para todas as equipas que estiveram no local do acidente. Aos médicos, enfermeiros aos bombeiros, aos socorristas, aos polícias, aos cidadãos que compareceram, alguns deles funcionários da Câmara. A todos, sem exceção, o meu abraço e o meu profundo agradecimento e admiração.

Não vi um recuo, não vi um sinal de fraqueza, não vi uma hesitação que fosse. Apenas vi entrega, profissionalismo e dedicação. Humanidade na sua mais alta manifestação.

Será um dia que nunca vou esquecer. Pela dor, mas também pela grandeza que testemunhei.

*Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias / 26-04-2019

Filipe Sousa
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