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No rescaldo das eleições europeias muitos analistas debruçaram-se sobre o porquê do resultado do PAN. Várias foram as hipóteses levantadas mas como ninguém se dará ao trabalho de as validar com sólidas teorias, fico com a porta aberta para divagar sobre o assunto. Factual foi a reação dos restantes partidos que nos seus discursos de “vitória” deram ênfase à insustentabilidade ambiental que enfrentamos. Terá o fenómeno PAN relação causal com tais conteúdos?

As propostas do PAN mediatizam questões urgentes que nos afetam a todos, mas sobretudo apontam o dedo ao que – em teoria – teremos de mudar para que o nosso legado não seja pior do que aquele que recebemos. São propostas que não procuram o conforto do caminho fácil, que apelam a visões de longo prazo pouco aprazíveis, mas que têm sustentação em factos.

Nenhum partido é inteiro e neste exercício de pura adivinhação ao qual me reservo o direito, mergulharei nas refleções de David Brooks – um americano que disserta sobre as mentiras que a nossa cultura nos conta sobre o que importa – para tentar explicar a ascensão dos partidos ditos alternativos.

Diz-nos Brooks, que a  1.ª mentira que nos incutem é a de que a Autorrealização atinge-se com o sucesso na carreira. O sucesso na carreira evita a vergonha que sentimos quando falhamos, mas a euforia é momentânea. A 2.ª mentira que nos contam é a de que posso ser feliz, se assim o entender. A mentira da Autossuficiência colide com a nossa natureza social e omite a preponderância das relações que estabelecemos com quem nos rodeia. E finalmente a 3.ª mentira, a da Meritocracia. A mentira da Meritocracia é a de que tu és o que alcanças e as marcas que ostentas. A grande maldade da meritocracia é fazer acreditar que os que mais têm, mais valem.

Embalado pelas mentiras da nossa cultura, Brooks caiu no “Vale do Isolamento” e muitas outras pessoas caíram consigo. 35% dos americanos acima dos 45 anos estão cronicamente sós. Apenas 8% diz ter conversas significativas com os seus vizinhos, nos quais confiam apenas 32% dos inquiridos. Os partidos em maior crescimento são alternativos, os movimentos religiosos com maior crescimento são alternativos, as taxas de depressão aumentam, a taxas de incidência de doença mental aumentam. A taxa de suicídio aumentou 30% desde 1999, sendo que a taxa de suicídio jovem nos últimos anos aumentou 70%. 45 000 americanos suicida-se todos os anos, 72 000 morre por consumo abusivo de opioides, a esperança média de vida está a cair, não a subir! Estamos perante uma crise essencialmente social e relacional. Estamos fragmentados e rodeados de mentiras no “Vale do Isolamento”.

Como é que saímos deste Vale?  AFETO, diz-nos Brooks.

O afeto incondicional que muitos sentem de e pelos animais de estimação; o amor desmesurado que sentimos pelos nossos filhos e as legítimas preocupações com o futuro dos mesmos; a consciência de que fazemos parte de um sistema maior ao qual devemos gratidão, valida e talvez explique o surpreendente resultado eleitoral do PAN.

A política dos Afetos pode e deve ir além das “selfies” de Marcelo. Hoje, mais que nunca, caminhamos sós no meio da multidão. Hoje, mais que nunca, temos carência de políticos que tenham a ousadia de propor caminhos que nos afastem do Vale do Isolamento.

BRUNO PESTANA
Enfermeiro

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