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Nos regimes políticos democráticos, “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.” (Artigo 11º – Carta dos Direitos Fundamentais da EU). Em democracia, é normal que os diversos intervenientes políticos e estruturas partidárias exerçam livremente estes direitos, divulgando-os através dos vários canais disponíveis, competindo à comunicação social dar-lhes o devido tratamento jornalístico e informativo.

Nos regimes de cariz ditatorial, a censura e o silenciamento dos opositores políticos, a par com o controlo absoluto sobre os meios de comunicação, permitem uma informação de sentido único e sem contraditório, que em nada se distingue da mera propaganda.

Na nossa singular “democratura” regional, insular e autonómica, todas as instituições e ferramentas democráticas existem e estão, aparentemente, a funcionar; os partidos políticos da oposição têm livre acesso a vários palcos e plataformas, bem como à sua pequena quota de cobertura jornalística; os cidadãos não alinhados e descontentes podem (em teoria) emitir a sua opinião sem aparentes restrições, quer nos espaços próprios dos órgãos de informação, quer nas redes sociais, quer em qualquer evento público. Contudo, por detrás desta fina capa de verniz democrático, esconde-se a tenebrosa face da repressão. Esta não é exercida com botas cardadas, mas com pezinhos de lã; em vez de murros com luvas de boxe, aplicam-se corretivos com luvas de pelica. Todos sabemos como esta implacável máquina se aperfeiçoou ao longo de quase cinco décadas, como refinou as tácticas de aliciamento e os métodos de silenciamento, como aprendeu a seduzir os poderosos e a amedrontar os fracos, como criou teias de influência e tentáculos de domínio, como institucionalizou o nepotismo e mediocrizou o mérito.

Porém, nunca como agora existiu um tão intenso domínio sobre a comunicação social, especialmente desde que se concretizaram as participações cruzadas entre os proprietários dos dois principais títulos da imprensa diária. O controlo da narrativa permite veicular uma versão unívoca e uma visão enviesada dos factos.

Atente-se, por exemplo, no diferente “modus operandi” dos partidos do governo e da oposição na divulgação das suas propostas e declarações políticas: uns são obrigados a recorrer aos métodos tradicionais, como os comunicados e as conferências de imprensa, na esperança (muitas vezes vã) de que a comunicação social lhes dedique algumas linhas de texto ou alguns segundos de imagem e som; outros, pura e simplesmente, “dizem coisas em inaugurações”. Tornou-se tão corriqueiro que já ninguém repara, mas façam o favor de verificar: quase todas as notícias que envolvem os nossos governantes contêm a expressão “à margem” …

À margem da inauguração de uma sapataria, o senhor Presidente afirmou que vão ser lançados apoios à frota pesqueira; à margem de uma conferência sobre Pescas, o senhor Secretário prometeu medidas de incentivo às sapatarias; à margem do descerramento de uma placa, o senhor Presidente anunciou a conquista de mais dois prémios de Melhores do Mundo e Arredores em Qualquer Coisa Importante; à margem da mudança de pneus de uma ambulância, o senhor Secretário revelou que irá receber mais um contentor de médicos… e assim sucessivamente… sem critério, sem profundidade, sem sentido. Simplesmente à margem… Qualquer inauguração ou evento serve para anunciar o lançamento de obras “estruturantes” ou para acusar os adversários de serem uns pobres diabos que não percebem nada disto. Entre um brinde e um croquete, lança-se o bitaite diário para ser devidamente difundido pelos competentes serviços noticiosos: “À margem de um concurso de canapés, o senhor Presidente afirma que só não trabalha quem não quer, e só emigra quem quer”. Ou outra tirada parecida, dependendo do dia.

Entretanto, enquanto uns praticam esta “política à margem”, os tais sem abrigo que quase não existem, as vítimas dos tais assaltos que quase não acontecem, os desempregados que saíram das tais estatísticas excelentes (porque continuam sem trabalho, mas acabou-se o subsídio), os milhares de famílias que estão no limiar da pobreza (mas no Continente é pior), todos esses, todos nós, continuamos a ser tratados como indigentes e deixados, abandonados, nas margens da política.

Até quando? Só tenho uma resposta: há eleições em breve, e o voto é secreto…

Raul Ribeiro

Observação:

– A responsabilidade das opiniões emitidas nos artigos de opinião são, única e exclusivamente, dos autores dos mesmos, pois a defesa da pluralidade de ideias e opiniões são a base deste espaço criado no site;

– Os posicionamentos ideológicos e políticos do JPP não se encontram refletidos, necessariamente, nos artigos de opinião contemplados nesse mesmo espaço de opinião.

 

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