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Falemos de escolhas. Já que a vida é feita delas, de forma passiva ou de forma ativa, quer isso nos agrade, quer não. Aquelas escolhas, que depois de feitas se apresentam preto no branco, mas nascem de um processo de análise e decisão, que nada tem a ver com preto e branco, antes vive de tons de cinzento. Como a realidade bem nos tenta ensinar.

Uma dessas escolhas, a que se decide por uma participação cívica e política mais ativa na comunidade, e que devíamos ter já interiorizado como um dever e aprendido a concretizar nas suas diferentes dimensões, é, hoje e sempre, dos contributos mais preciosos e essenciais para o progresso de qualquer comunidade.

Se é bem verdade que as escolhas que ditam as circunstâncias da nossa vida profissional e pessoal ocupam muito do nosso tempo e deixam-nos menos disponibilidade e ânimo para nos dedicarmos a questões de cidadania, não é menos verdade que, mesmo que optemos por não aderir a uma forma de participação mais trabalhosa, como militar na estrutura dum partido, pertencer ativamente a um movimento de cidadãos, a um clube ou a uma associação, defendemos ideias, veiculamos opiniões e deixamos impressões em todas as nossas interações. Desde uma reunião de trabalho a um jantar em família. E por não lhe podermos, em boa consciência, escapar, devemos e podemos ser cidadãos mais informados, mais críticos e mais participativos.

É precisamente no exercício livre da nossa dimensão crítica e participativa, que precisamos colocar, a nós e aos outros, as perguntas que a realidade nos impõe, preto no branco. A Madeira padece de muitas enfermidades, que seguramente não caberiam nos limites deste texto, e muitas são as perguntas que já fazemos e as que teremos de continuar a fazer.

Em que ilha queremos viver e que terra queremos deixar a quem vier depois de nós? Uma terra onde a imponente beleza das montanhas e vales tenha sido preservada e onde o privilégio de possuirmos uma das últimas manchas de floresta Laurissilva no planeta tenha sido honrado, ou onde o betão, a poluição e a presença excessiva do Homem o tenha impedido? Uma terra onde o mar límpido banhe uma costa em que se tenha encontrado um novo equilíbrio, ou uma onde o betão e as agressões visuais e paisagísticas entrem pelo mar adentro? Com a pandemia e com o anunciado cataclisma económico e social que já muitos sentem, a que problemas queremos seja dada prioridade? Como deverá ser usado o nosso dinheiro e o que vier para nos ajudar? Deixar-nos-emos infetar pelo vírus do medo e normalizaremos todas as falhas que o vírus queira agora desculpar, ou seremos cidadãos munidos de informação e sentido crítico e por isso mais difíceis de ir em conversas ou cair em manipulações? E quanto ao nosso direito à informação, como queremos ser informados? Com isenção e profissionalismo ou com sensacionalismos, superlativos ocos e notícias falsas? Com honestidade intelectual e sem falácias argumentativas, ou em permanente dissonância cognitiva entre o que é noticiado e a nossa realidade quotidiana? E na doença? Como queremos ser tratados quando adoecermos? Seremos tratados a tempo? Teremos acesso ao que a medicina pode oferecer em termos de exames, terapias e tratamentos ou poderemos apenas contar com as sobras das más gestões e outras negociatas?

Para, de forma séria, podermos enfrentar as dificuldades e lidar com as questões levantadas por estas e pelas perguntas que ficaram ainda por formular, precisamos de chamar mais pessoas ao exercício de uma cidadania ativa, mas também de fazer boas escolhas. Que não deverão ser a preto e branco, mas que terão de ser bem preto no branco no que toca aos valores que defendem e às prioridades que estabelecem; no que se relaciona com o papel que querem desempenhar na construção de uma verdadeira cultura democrática, onde não se tolerem egos, oportunismos ou extremismos, e onde possamos ouvir e ser ouvidos, num diálogo construtor de consensos; e ainda no que concerne ao respeito que demonstram pela terra e pelas suas gentes, valorizando e não delapidando o que temos de único e especial, na senda de um equilíbrio entre Homem e Natureza.

LILIANA GAMA

Professora

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