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Rosa, à beira dos 50 anos, não esconde no rosto os sinais amargos dos dias passados, nem as rugas que uma simples vida tornou difícil. Vive com a filha. Todos os dias, quando chega a casa vinda do trabalho, o sol já está para lá do horizonte. Quer arranjar outro patrão. Não que o restaurante onde trabalha seja o pior território, mas sim porque o que recebe é eternamente o mínimo, como se não houvesse nada mais na tabela salarial. Aliás, recebe o mesmo, como a maior parte dos colegas, e aumentos, nem vale a pena discutir, pois a resposta é sempre a mesma: “é melhor fechar”. Enquanto varre a escadaria do prédio onde habita, Rosa remata o assunto com “ainda tenho trabalho”. Nesse momento, guardei para mim todos os anos de revolta e todas as lutas pelos direitos de quem trabalha. Neste capítulo, ainda há muito a fazer nesta terra.

Estes dois dedos de conversa tiveram lugar num vão de escada de um bairro social da cidade do Funchal, durante uma das visitas que antecederam o período de campanha eleitoral. Ainda bem que as tardes ainda são longas pois, a ocorrer em pleno inverno, teríamos que recorrer a lanternas. É que não há iluminação na escadaria há 4 anos. Nem limpeza nas zonas comuns nem nos jardins, por isso é que Rosa estava de vassoura na mão e a filha a segurar na pá. Quer dar o exemplo.

Já tinha conhecimento da situação degradante em que muitos dos prédios dos bairros sociais situados na Freguesia de São Martinho, se encontram. Conforme fui informado, foram diversas as vezes que a Junta de Freguesia visitou estes espaços, cuja gestão é da inteira responsabilidade da IHM – Investimentos Habitacionais da Madeira, sob tutela do Governo Regional PSD. As reuniões resultaram infrutíferas.

O acesso é degradante, sujo, quase marginal, sem qualquer manutenção e sem o mínimo de dignidade para quem lá habita. Está esquecido pela IHM. É assim que é resolvido o problema da habitação social no Funchal. Basta esquecer e o assunto fica resolvido. A dignidade humana tem que ser uma bandeira prioritária de quem está à frente da área social. A casa tem de ser digna. Só para o poeta Vinicius é que “uma casa engraçada, não tinha teto, não tinha nada”. Para quem a habita, só pode haver um critério: a dignidade!

Há relatos de casos em que é colocada à frente das pessoas uma linha para assinar em troca de uma resolução imediata do problema. O desespero leva a uma aposta no escuro. A necessidade assim obriga. Foi o que aconteceu com Rosa. Quando chegou ao apartamento atribuído pela IHM, o mesmo não tinha o mínimo de condições de habitabilidade. Quando reclamou, responderam com uma pergunta: “e a vista, não gosta da vista?…” Rosa encolheu os ombros, fixou os olhos nos olhos da filha, como se procurasse ver um futuro colorido e foram ambas para a janela ver o pôr do sol, bonito lá fora. Entretanto, caiu a noite, ficou escuro, a linda vista desapareceu e o que sobrou foram quatro paredes sujas, sem a mínima dignidade para quem lá habita. Certamente que, nessa primeira noite, Rosa teve dificuldade em adormecer mas, quando aconteceu, sonhou com o dia em que a dignidade da habitação vai chegar e vai poder levar as amigas a casa. Para já, tem um teto para dormir, mas continua sem ter um chão para viver.

RICARDO PESTANA
Assistente Técnico

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