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Há noites em que o sono tarda a entrar em casa e quando chega, entra lentamente, sem pressas, como se tivesse a vida toda. Numa dessas noites, espreitando o mundo lá fora num vagaroso “zapping”, ouvi uma frase que fez dissipar qualquer indício de sono: “O poder local deve ser visto como um fator de desenvolvimento e aprofundamento da democracia”. A voz, ainda que trémula, afirmava ainda com toda a convicção que “um sistema administrativamente descentralizado é um sistema politicamente mais justo e administrativamente mais eficaz”. Quem declarava com tamanha firmeza e clarividência era Jorge Sampaio, um cidadão que passou pelo poder local num caminho que terminou no Palácio Nacional de Belém.

A descentralização de competências das Autarquias e a nova Lei das Finanças Locais têm vindo a ser dois dos temas mais debatidos politicamente nos últimos tempos. São matérias que mexem com uma forma de controlo centralizado dos destinos do país e é, claramente, algo que está a agitar práticas há muito instituídas.

Estas são as novas ferramentas cruciais para o alavancar de todo o país. Se queremos enveredar por uma política de descentralização, temos que nos desapegar de procedimentos caducos. Só assim será possível que as autarquias engrenem numa velocidade superior e que ganhem uma nova grandeza de competências. Todo o poder local sai a ganhar, logo, ganhamos todos.

Obviamente que não haverá um madeirense que permita atropelos ao seu Estatuto Político-Administrativo e à sua Lei de Finanças Regionais. Isso é discurso gasto e ultrapassado de quem recorre a teorias absolutistas para justificar o centralismo autonomista. Nenhum partido é seu proprietário nem seu único guardião. Somos todos nós, juntos, os madeirenses.

No caso de quem já esteve aos comandos de todas as autarquias da região e ao longo dos últimos tempos tem vindo a perder um imenso terreno, manter o cenário atual é claramente a única solução para eternizar-se no poder. Discriminar negativamente as Autarquias da Madeira continuará a ser prática corrente enquanto se mantiver esta forma absolutista de centralizar todo e qualquer poder. Os madeirenses certamente não querem que muitas das competências agora em cima da mesa, continuem dependentes de pareceres de assessores e de ordens de indivíduos que integram os quadros do governo regional em função da confiança política ou porque, perdendo eleições, são ali “encaixados”. Outros há que, apesar de nunca terem enfrentado um sufrágio eleitoral, acham-se na mesma legitimados para decidir por um povo. Quanto aos autarcas, tendo em conta esse ensurdecedor silêncio laranja em que muitos estão mergulhados, fica a certeza que preferem continuar estagnados em matéria de competências. É o preço para continuarem em torno do mesmo tacho.

Nessa noite, no fecho da curta reportagem, coube ainda uma frase maior: “O poder local não é apenas um resultado feliz da democracia, mas constitui em si próprio uma mais-valia num processo de composição de interesses entre o Estado, as comunidades e os cidadãos”, concluiu Jorge Sampaio. Desliguei a televisão pois, depois de escutar esta afirmação, não havia mais nada que quisesse ouvir.

Por cá, fica a ideia que o rei só governa numa estratégia absolutista, o que demonstra que há muito já vai nu. Mas mais que isso, fica a certeza que não está preparado para virar a página e enfrentar o futuro. Cabe a nós colocar esta matéria em cima da mesa e aprofundar o debate, já sem contar com o monarca que agora vai nu e que se prepara para também, em 2019, ir de vez.

RICARDO PESTANA
Assistente Técnico / Vogal no Executivo da Junta de Freguesia de São Martinho

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