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Um dia destes, numa das muitas atividades desenvolvidas junto da população na Freguesia de São Martinho, uma simpática senhora puxou-me pelo braço, olhou-me de frente e disse-me “já estamos há 40 anos a ouvir”. Fechou os olhos e suspirou fundo como se deitasse para fora todo o ar do mundo e acrescentou: “Agora, chegou à altura de termos na Madeira quem nos escute”. Deu um passo atrás e apontou-me o dedo dizendo: “Façam por isso”. Com um sorriso serrado despediu-se e deixou-me a pensar no que me tinha dito. É isso, a diferença está aí. Foi demasiado o tempo com as pessoas caladas achando que o seu papel era de escutar, como se não houvesse outra alternativa. Um fantasma da velha senhora. Não havia tempo ou não interessava dar tempo para que tal acontecesse. A cassete era sempre a mesma. Gritavam “povo superior” e ficávamos maravilhados com tamanha grandeza que esquecíamos de decidir o tamanho que queríamos ter. Atiravam-nos com “a culpa é de Lisboa” sem nos permitirem qualquer hipótese de julgar.

Eu sempre tive, entre muitos outros, um grande defeito: a partir de um determinado nível sonoro, considero ruído e desligo. É uma espécie de limitador da tolerância. Acontece quando, por exemplo, em plena Assembleia Legislativa Regional, oiço o vociferar dos “trabalhadores precários”, habitualmente designados por Deputados, armados em trovadores de escárnio e maldizer, ou quando nos adros das igrejas, senhores com ar cândido e de fato e gravata, procuram através do estridente som de um megafone encher de dogmas as almas dos fiéis.

Mais importante que falar às pessoas é saber escutá-las. Chegou a hora de dar voz aos que sempre acederam a escutar sem contestar. Oiçam os mais simples, explorem o conhecimento que a vida lhes proporcionou. Há silêncios que falam muito. Há que saber escutá-los.

Este alarme soa também dentro dos partidos. Apelem às bases para chegarem à frente e intervirem e serem também eles a definir as orientações a seguir. Digam-lhes que são necessários não só para distribuir panfletos e agitar bandeiras, mas para vestirem as causas mais nobres da sociedade. Implorem que não se amedrontem nas cadeiras ao fundo da sala e venham mais para a frente do cenário político. Há que considerar toda e qualquer opinião, valorizar e ser valorizado. Os partidos não se comparam pelo número de militantes, mas pelo que os mesmos valem e pelas mais-valias possíveis de extrair. Falo dessa gente que sempre soube estar presente e que continua cheia de vontade de fazer o mundo andar para a frente. Não o seu mundo, mas o nosso, de todos. No seu crescimento, os partidos caíram na tentação de enveredar por cinzentismos tecnocratas em detrimento de apostar nas suas bases. Perdeu-se desta forma a simplicidade da essência que une cada grupo.

Também fora dos partidos, na sociedade, defendo com unhas e dentes os princípios de uma Democracia Participativa. Só dessa forma é possível retroceder no esvaziamento que a palavra Democracia teve ao longo dos tempos. Passou a ser propriedade de um grupo de políticos e de alguns governantes. Para contrariar, há que promover na sociedade, em diversos campos, o Orçamento Participativo. O destino dos recursos públicos deve ser definido pelos cidadãos. É por aí que vamos.

Se queremos uma Madeira Maior, temos que contar com todos. Quem não escuta qualquer um dos seus elementos, não pode falar pelo seu todo.

RICARDO PESTANA
Assistente Técnico / Vogal no Executivo da Junta de Freguesia de São Martinho

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