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Os direitos dos animais de estimação são, cada vez mais, uma preocupação comum a todos os cidadãos e tem merecido, de uma forma crescente e em resultado direto desta preocupação cívica, um elevado consenso no quadro parlamentar.

Prova disto, têm sido os recentes diplomas legislativos que passam, inequivocamente, pela consciencialização da importância do reconhecimento e defesa dos direitos dos animais. Refiro-me, por exemplo, à criminalização dos maus-tratos a animais de companhia ou à proibição do abate de animais de companhia e animais errantes, e o simultâneo programa de esterilização, onde a nossa Região foi pioneira no país.

Durante a semana passada, foi dado um outro passo significativo na história da proteção e direitos dos animais em Portugal – os animais deixaram de ser considerados objetos ou coisas. Se por um lado esta situação, aparentemente, já constituía um dado adquirido, o certo é que não era este o entendimento do nosso Código Civil que definia no seu articulado que o possuidor de um bem, no sentido de exercer a posse sobre ele, gozava dos poderes de usar, fruir e abusar desse mesmo bem. Isto significa que o seu cão, gato ou periquito tinham a mesma importância que este jornal que tem entre as mãos. E neste sentido, é importante realçar a importância deste marco histórico onde os animais deixam de ser “coisas”, e passam a ser vistos à luz do direito civil, como seres vivos dotados de sensibilidade, passando a ter um estatuto intermédio entre as coisas e as pessoas e a usufruir de proteção jurídica em virtude da sua natureza.

E esta alteração à lei não poderia ter sido mais oportuna. Numa altura em que foram noticiados diversos ataques de cães de raças “potencialmente perigosas”, com efeitos gravíssimos no estado físico e, certamente, emocional das suas vítimas, esta lei vem trazer a discussão uma nova robustez à aplicação da lei de maus-tratos a animais de companhia (apesar desta não ser do agrado da maioria dos parlamentares). Isto porque a maioria desta agressividade acumulada resulta não da natureza dos animais, mas dos maus-tratos infligidos a estes animais pelos seus cuidadores.

Dizia um célebre comentador televisivo, no seu rol de disparates, que as únicas finalidades destas raças “potencialmente perigosas” são “atacar o ser humano” e que “esta vontade [de atacar o ser humano] está no sangue”. Menosprezando este espetáculo deprimente e a verdadeira condição de irracionalidade do comentador, resta referir que o imperativo legal terá de se situar sempre na prevenção destes casos. Como? Pela estipulação de regulamentação específica do treino dos animais, pela explícita proibição e agravamento penal à criação de cães de luta, pela obrigação do uso de trela no exterior e de açaimes nos casos devidos e pela reabilitação e reeducação do comportamento animal em caso de ataque. É urgente, também, a desmistificação destas listagens de “raças perigosas” que se baseiam em mitos infundados e que provocam nestes animais um défice de socialização e convívio com outras pessoas ou cães, culminando, frequentemente, em agressividade por medo ou agressividade defensiva (a título de curiosidade, segundo estudos de uma universidade norte-americana, as raças que lideram o ranking de agressividade canina são os “salsichas” e os chihuahuas).

Acima de tudo a criação desta terceira figura jurídica, a par das pessoas e das coisas – a figura do animal – vem alertar para a evolução das consciências e para o facto da nossa lei não ser imutável. As “más leis” devem ser alteradas e devemos repensar a nossa relação com os animais e refletir sobre o longo caminho que temos pela frente. Onde muitos corolários referentes à proteção dos animais estão ainda longe de ser unânimes ou consensuais.

Não podemos continuar indiferentes face a atos de crueldade e maus-tratos infligidos pelos seus donos ou terceiros, nem podemos ignorar que possam existir exceções à atual prática legislativa em relação ao sofrimento animal, como é o caso das touradas. Sobretudo quando é o próprio Estado a utilizar dinheiro dos contribuintes para promover espetáculos que se baseiam na violência brutal e explícita sobre os animais. Estes serão, a par da correção dos problemas apontados ao diploma legal dos maus-tratos, os próximos grandes desafios para os nossos parlamentares.

Trata-se, de um princípio social, filosófico e doutrinal, e de uma modernização ética da nossa sociedade. E tal como referiu Mahatma Gandhi, “a grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser avaliados pela forma como são tratados os seus animais”.

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