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É ainda mais surpreendente que, em pleno século XXI, a maioria dos nossos representantes na Assembleia da República defendam as touradas como uma marca distintiva da cultura portuguesa.

O parlamento nacional reprovou, no passado dia 6 de julho, um Projeto de Lei que pretendia abolir as corridas de touros em Portugal.

​Cerca de um ano depois de se ter dado um passo significativo na história da proteção e direitos dos animais em Portugal, com as alterações ao Código Civil pelas quais os animais deixaram de ser “coisas”, adquirindo o estatuto de seres dotados de sensibilidade à luz da lei, é surpreendente a posição da maioria dos deputados na República que persistem em defender um conjunto de espetáculos (?) bárbaros que não passam de uma reminiscência sombria da Idade Média.

Num país que se diz evoluído e civilizado, é vergonhoso que se continue a ceder aos poderosos grupos de pressão que mantém este “negócio” macabro, cobarde e sangrento à custa da tortura de um animal que, tal como nós, experiencia alegria, felicidade, dor e medo.

É ainda mais surpreendente que, em pleno século XXI, a maioria dos nossos representantes na Assembleia da República defendam as touradas como uma marca distintiva da cultura portuguesa. Como uma “arte” que comporta um sistema de valores, tradições e crenças que fomentam a excelência humana e o humanismo. E com esta posição inaceitável, legitimam a sua prossecução. O PS foi ainda mais longe defendendo que é “dever do Estado” proteger estas manifestações culturais. Portanto, segundo o Partido Socialista, todos nós, contribuintes, devemos suportar, financiar e quiçá até aplaudir, em nome de um execrável entretenimento e divertimento de tortura animal. Sim, porque infligir dor a touros e cavalos de uma forma deliberada e reiterada não é recreação, é TORTURA.

Vergonhosa, também, a posição do PSD que manifestou a sua profunda discordância com esta proibição por considerá-la um “radicalismo” por atentar contra uma “forma de legado histórico, cultural, social e económico”.

A este discurso, juntaram-se outras vozes das bancadas do PCP, PS, e CDS que defendiam a tourada como parte da identidade portuguesa. Como parte integrante da cultura e da tradição popular, chegando mesmo ao cúmulo da incoerência parlamentar, com a defesa da necessidade não de proibir a tourada, mas de promover uma ação pedagógica para sensibilizar os cidadãos para a promoção do bem-estar animal e a sua efetiva proteção.

A questão é inevitável. Como é que as Sras. e os Srs. Deputados pretendem promover o bem-estar animal e a sua efetiva proteção? Com touradas?

Através das estocadas no corpo do touro, causando perfurações pelas bandarilhas cravadas que lhe dilaceram a carne, provocando profundas e dolorosas hemorragias? Que causam uivos de dor quando estes “ferros” são brutalmente arrancados no final do “espetáculo”? (E neste aspeto, relembro o leitor de um célebre documentário televisivo em que o próprio funcionário de uma praça de touros não autorizou a filmagem por a considerar demasiado perturbante). Ou será que proporcionar o bem-estar animal que os senhores deputados defendem é promover o esgotamento e terrível tensão psicológica sofrida pelos cavalos que, obrigados a enfrentar o touro, são subjugados com ferros na boca e correntes à volta da mandíbula arriscando ferimentos enquanto incitados por ação das esporas cravadas no seu abdómen?

​Ser tradição não é justificação para se continuar a permitir tal aberração. Tal como não existe justificação para que se mantenha a alocação de dinheiros públicos à indústria tauromáquica e a isenção de IVA para toureiros e touradas, à custa dos maus tratos e sofrimento em animais.

Os direitos dos animais são, cada vez mais, uma preocupação comum a todos os cidadãos, e não se compreende o porquê dos deputados eleitos pela Madeira na Assembleia da República (com a exceção do deputado do BE) terem optado por dar continuidade a uma atividade que se restringe a maus tratos e brutalização de animais e que não se coaduna com o grau de evolução que pretendemos para o nosso País. Depois de ter sido a Madeira a dar o exemplo e a ser pioneira em importantes diplomas legislativos que passam, inequivocamente, pela consciencialização da importância do reconhecimento e defesa dos direitos dos animais, como foi a proibição do abate de animais de companhia e animais errantes.

Nas palavras do grande Maestro Victorino D’Almeida, “se tourada é cultura, canibalismo é gastronomia”.

*Artigo de opinião publicado no JM / 16-07-2018

Rafael Nunes
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