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Tenho assistido, um tanto incrédulo e muito preocupado, aos diversos episódios e cenas tristes em torno do subsídio social de mobilidade. E a minha preocupação pode ser resumida em três pontos e todos eles podem ser explicados com recurso à própria terminologia da medida.

Passo a explicar:

– Estamos perante uma solução que não chega a ser um verdadeiro subsídio, mas sim uma forma pouco subtil (diria mesmo descarada) de financiar companhias aéreas.

– Também não chega a ser social porque só dela usufrui quem tem posses para comprar bilhetes para Lisboa ou Porto a preços superiores aos de uma viagem, por exemplo, a Nova Iorque.

– Por último, não garante mais do que uma mobilidade seletiva, uma vez que apenas beneficia o mais forte, ou seja o que novamente tem dinheiro para antecipar os elevados valores que este falso subsídio criou.

Ou seja, este subsídio social de mobilidade é uma tremenda falácia que falha todos os seus objetivos e a sua natureza supostamente social e de garante de uma mobilidade e continuidade territorial que realmente não estão garantidas.

Por isso, quando ouço o Presidente do Governo Regional clamar, aos sete ventos e com um certo orgulho, que nunca se viajou tanto, nem tão barato, só posso aconselhar o dr. Miguel Albuquerque a sair da sua zona de conforto e de privilégio, e do seu círculo próximo de amigos com dinheiro suficiente para pagar passagens a 400 euros, e vir à Madeira real, onde a maioria dos ordenados ficam abaixo do preço médio das viagens da mobilidade seletiva que o seu Governo implementou.

Se, só por si, um subsídio social de mobilidade, que não é subsídio, nem social, nem garante qualquer mobilidade é já um escândalo, o que tem ocorrido em torno desta questão não é melhor, nem mais digno. Desde a mobilidade ter servido para guerras de poder e para declarações infelizes, até a última novela protagonizada pelos deputados insulares na Assembleia da República.

Como é possível vivermos num país com políticos claramente incapazes de arranjarem uma solução justa e universal para um modelo que garanta o princípio da continuidade territorial, mas com políticos perfeitamente capazes de aproveitarem as brechas de um sistema para uma atitude de legalidade duvidosa e de imoralidade descarada.

Que justiça pode existir entre um subsídio de mobilidade social que não funciona, e um sistema de duplo subsídio a que os deputados deitam mão sem vergonha, nem arrependimento? Nenhuma.

Urge, de uma vez por todas, não só corrigir atitudes imorais e pouco éticas, como, e sobretudo, garantir que o sistema funcione não para quem dele se pode ilegitimamente aproveitar, mas por aqueles que realmente dele necessitam.

Se continuarmos nesta seletividade do mais forte, dificilmente caminharemos para uma sociedade mais justa e solidária, e muito menos para uma prática política de dignidade e de ética como a que uma democracia adulta e decente exige.

*Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias / 26-04-2018

Filipe Sousa
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